terça-feira, 22 de julho de 2025

Missão do CNDH de Combate a Células Neonazistas chega a Pernambuco

 

O Estado de Pernambuco é a próxima parada da missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para o combate ao crescimento de células neonazistas no Brasil. A iniciativa é inédita e acontece em meio ao cenário de registros de casos de violência, discursos de ódio e movimentos neonazistas em todas as regiões do país. Diferentemente de liberdade de expressão, incidentes dessa natureza são tipificados como crime na lei federal antirracismo (nº 7.716).


Terá três dias de atividades a programação da comitiva do CNDH em solo pernambucano (23 a 25 de julho), que inclui a realização de um seminário e uma audiência pública sobre o tema. O objetivo é qualificar informações junto a órgãos competentes e criar mecanismos de enfrentamento a este fenômeno.

“Chegar ao Nordeste é uma tarefa que marca algumas estratégias para a construção de uma política nacional de enfrentamento a este tema. A primeira delas é desmistificar a ideia de que este é um problema regionalizado, pois ele afeta o Brasil como um todo e, mais do que isso, não tem fronteiras em razão dos seus ataques contínuos na internet.”
comenta Carlos Nicodemos, coordenador da Relatoria Especial para o Enfrentamento às Formas Contemporâneas de Discriminação e Propagação do Discurso de Ódio e ao Crescimento do Neonazismo no Brasil.

No primeiro dia da missão, os trabalhos serão em Caruaru, no Agreste pernambucano. Na quarta-feira (23), a comitiva do CNDH vai visitar um centro de formação que, em novembro de 2022, foi alvo de incêndio e pichações de uma suástica e outras expressões.

O Centro de Formação Paulo Freire pertence ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e fica localizado no assentamento Normandia. Após o ocorrido, o MST afirmou, por meio de nota pública, que quatro pessoas chegaram a ser vistas. O espaço foi invadido enquanto acontecia, em frente ao assentamento, uma festa de vaquejada no Parque de Vaquejada Milanny.

Na capital, encontros com autoridades No segundo e terceiro dia de trabalho da missão do CNDH em Pernambuco, as ações de combate a células neonazistas serão no Recife.

Na quinta-feira (24), estão programados encontros com a governadora Raquel Lyra, o presidente do Tribunal de Justiça e o procurador-geral de Justiça do Ministério Público, além da realização de um seminário. Na sexta-feira (25), estão agendados encontros com o prefeito da cidade e a Assembleia Legislativa, além da realização de uma audiência pública e uma entrevista coletiva à imprensa. Integrantes da missão do CNDH também vão se reunir com representantes de religiões de matriz africana
e indígena.

“O que está em curso no Brasil, incluindo o Nordeste, é o avanço de um ambiente permissivo à violência política, racial e de gênero que põe a vida em risco. Pernambuco acumula episódios que revelam a profundidade dessa barbárie, como a morte brutal de um militante do MST, atropelado durante uma marcha pacífica e o assassinato de uma mulher trans, negra e em situação de rua, que foi queimada viva no centro do Recife, anos atrás.

Casos como esses evidenciam como o discurso de ódio cria um terreno fértil para a violência extrema e precisamos de ação firme, monitoramento contínuo e coragem política para interromper esse ciclo” afirma Edna Jatobá, coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares, uma das organizações que compõem o CNDH na representação da sociedade civil.

No alvo, nordestinos, mulheres, negros e LGBTQIAP+ Antes do trabalho de campo, a missão do CNDH reuniu informações de trabalhos já produzidos sobre movimentos neonazistas. Um deles aponta que, para além dos judeus, esses grupos mantêm no alvo outras populações. O mapa elaborado pela antropóloga Adriana Dias estimou que
essas células cresceram 270% no Brasil, entre janeiro de 2019 e maio de 2021, se espalharam e hoje estão presentes em todas as regiões do país.

Além das possibilidades das redes sociais, outro vetor de impulsionamento foram os discursos de ódio e extremistas contra nordestinos, mulheres, população negra e LGBTQIAP+. De acordo com o trabalho da antropóloga, no início de 2022, havia mais de 530 grupos extremistas no país.

Símbolos, signos e antissemitismo
O Observatório Judaíco define que são considerados neonazistas eventos que fazem referências direta ou indireta a Adolf Hitler, ao nazismo ou Holocausto. Isso inclui menção a fatos históricos e o uso de símbolos, como a suástica, a sigla SS, a saudação “Heil Hitler”, o gesto com os dedos da mão para representar a expressão “white power” e o número 88. Este último faz referência à oitava letra do alfabeto (“HH”). Segundo o relatório, o Centro Nacional de Crimes Cibernéticos registrou 14.476 denúncias anônimas relacionadas ao neonazismo apenas em 2021. Polícia Federal registra salto de ocorrências Foram instaurados no Brasil 159 inquéritos para apurar a ocorrência de crimes de cunho neonazista, entre janeiro de 2019 a novembro de 2020.

Para efeito comparativo, entre os anos de 2003 e 2018, a Polícia Federal havia aberto 143 procedimentos investigativos. O levantamento foi divulgado pela plataforma especializada no acesso a informações de interesse público Fiquem Sabendo.

Ataques a crianças e escolas
Em 2023, um caso que chocou o país foi o assassinato de quatro crianças, com idades de 4 a 7 anos, em uma creche em Blumenau (SC). A chacina teve relação com a proliferação do ódio, o incentivo do uso indiscrimado de armas e à ideologia da morte de grupos neonazistas. O ataque ocorreu menos de dez dias após uma escola em São Paulo ser alvo de um aluno que matou a professora com golpes de faca e deixou outras quatro pessoas feridas.

Em dezembro de 2022, ocorreram dois atentados a escolas no Espírito Santo, nos quais o agressor, menor de idade, matou quatro pessoas enquanto vestia uniforme militar e uma suástica nas roupas. Meses antes, em junho daquele ano, um aluno relatou ter recebido ameaças com referências nazistas dentro de uma escola particular de Belo Horizonte.

Outros casos registrados
No Rio de Janeiro, em outubro de 2021, uma investigação comandada pela 42ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro encontrou na casa de um homem suspeito de pedofilia 12 uniformes nazistas originais, 09 armas de fogo (incluindo fuzis), bandeiras nazistas e uma pintura de Adolf Hitler, entre outros elementos. Em Santa Catarina, em agosto de 2021, uma loja no Mercado de Pulgas, no município de Nova Trento, foi denunciada à Polícia Civil e ao Ministério Público de Santa Catarina por venda de artefatos nazistas. Ainda no estado de Santa Catarina, a Polícia Civil instaurou inquérito para investigar uma fábrica que produzia quadros, canecas e peças decorativascom símbolos nazistas.

O CNDH, suas prerrogativas e função
O Conselho Nacional de Direitos Humanos é um órgão colegiado paritário, instituído por lei, que tem por finalidade promover e defender os direitos humanos no Brasil por meio de ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras. O órgão é responsável por monitorar as políticas públicas e o Programa Nacional de Direitos Humanos, podendo fazer recomendações e manter cooperação com entidades públicas ou privadas nacionais e internacionais. 

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