Se a alimentação do seu filho parece se resumir a cereal matinal, nuggets de frango e lanches que sobreviveriam a um apocalipse, você não está sozinho. Alimentos ultraprocessados são a escolha preferida de muitas crianças e, em alguns casos, são os únicos alimentos que elas aceitam comer. Entenda por que isso acontece, e o que você pode fazer a respeito.
O papel dos alimentos processados na dieta infantil
Alimentos processados são aqueles que passaram por algum tipo de alteração em relação ao seu estado natural.
Embora alguns processos sejam benéficos, como a pasteurização do leite para eliminar bactérias, o que preocupa pais e especialistas são os alimentos ultraprocessados. Eles passam por métodos industriais que intensificam sabor, textura e prazo de validade por meio da adição de açúcar, sal, gorduras, corantes, aromatizantes e conservantes artificiais.
Os pais conhecem bem alguns desses alimentos: são os fast foods e guloseimas que as crianças adoram. Mas outros se disfarçam de opções saudáveis, como iogurtes aromatizados e bolinhos industrializados.
Esses produtos oferecem pouco ou nenhum valor nutricional, motivo pelo qual as diretrizes alimentares recomendam restringi-los. Mesmo assim, esses “alimentos ocasionais” representam cerca de um terço da ingestão calórica diária de crianças australianas.
Por que as crianças são tão atraídas por alimentos processados?
1. Biologia básica
Alimentos ultraprocessados são projetados para serem viciantes. A combinação de açúcar, sal e gordura ativa o sistema de recompensa do cérebro, liberando substâncias que provocam sensação de prazer.
A evolução também contribui: fomos programados para buscar alimentos ricos em açúcar e gordura como forma de sobrevivência, herança dos nossos ancestrais caçadores-coletores.
2. Seletividade alimentar
Cerca de uma em cada duas crianças passa por uma fase de seletividade alimentar. Essa resistência a novos alimentos também tem origem evolutiva: era uma forma de evitar a ingestão de substâncias potencialmente tóxicas.
Por isso, muitas crianças preferem alimentos ultraprocessados como nuggets, batatas fritas e cereais matinais. Esses produtos são familiares, não ameaçadores, têm sabores suaves e cores neutras: muitas vezes semelhantes ao leite materno e aos primeiros alimentos sólidos da infância.
3. Poder de persuasão
De anúncios no YouTube a prateleiras estrategicamente posicionadas no supermercado, as crianças são bombardeadas por campanhas que estimulam o consumo desses alimentos, e pressionam os pais a comprá-los.
Como os ultraprocessados afetam a saúde das crianças?
O consumo excessivo de alimentos ultraprocessados está associado a diversos impactos negativos:
Deficiências nutricionais: quando esses alimentos substituem frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras, a alimentação fica pobre em fibras e nutrientes essenciais ao crescimento e desenvolvimento;
Obesidade infantil: esses produtos são altamente calóricos, ricos em açúcares, sal e gorduras, e geralmente não têm controle de porções, o que favorece o consumo excessivo;
Doenças crônicas: a ingestão contínua desses alimentos está ligada ao aumento do risco de doenças como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer.
Boas notícias: mesmo na infância, mudanças positivas na dieta e no estilo de vida podem reverter os efeitos negativos e contribuir para uma saúde melhor no futuro.
1. Comam juntos
Refeições em família são uma oportunidade para demonstrar bons hábitos alimentares. Sente-se à mesa, compartilhe a mesma refeição e mantenha os aparelhos eletrônicos afastados.
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2. Introduza novos alimentos com paciência
Pesquisas mostram que são necessárias de 8 a 10 exposições a um novo alimento antes que a criança aceite experimentá-lo. Ofereça regularmente, incentive a provar, mas sem pressionar.
Evite oferecer sobremesas como recompensa por comer algo saudável: isso só aumenta a preferência por alimentos menos nutritivos.
A fome também ajuda: reduza ou evite lanches por pelo menos uma ou duas horas antes das refeições.
3. Varie receitas favoritas da família
Crianças estão mais dispostas a experimentar algo novo quando o prato tem elementos familiares. Tente trocar ingredientes: use lentilhas no lugar da carne moída no molho bolonhesa ou asse cenouras para criar “batatinhas laranjas”. Ralar vegetais e misturá-los ao molho também ajuda.
4. Torne a comida divertida
Apresente os alimentos de forma lúdica: varie cores, texturas e formatos no prato. Mudar o local da refeição — como fazer um piquenique — também pode tornar a experiência mais divertida e especial.
5. Ensine ciência alimentar
Explicar, de forma adequada à idade, a função dos alimentos ajuda a criar consciência alimentar:
Incentive o cultivo de hortas: crianças pequenas podem colher; as maiores, plantar e cuidar;
Leve-as a feiras, peixarias e açougues para conhecer os alimentos de verdade;
Converse com os pequenos sobre energia: “comer pão integral te ajuda a brincar por mais tempo”;
Compartilhe curiosidades com os maiores: “o peixe tem uma gordura chamada ômega-3 que ajuda o cérebro a funcionar melhor”.
6. Inclua as crianças no preparo
Crianças que ajudam a cozinhar tendem a se interessar mais pelos alimentos saudáveis. Deixe que escolham receitas e realizem tarefas adequadas à idade, como misturar ou picar. Participar da preparação aumenta o orgulho e a chance de provarem o que ajudaram a fazer.
Leva cerca de dois meses para formar um novo hábito: por isso, é normal enfrentar resistência no início. Mas, com persistência, é possível redirecionar o gosto infantil por ultraprocessados e construir uma relação mais saudável com a comida que dure a vida inteira.
*Nick Fuller é diretor de Ensaios Clínicos do Departamento de Endocrinologia do Hospital Royal Prince Alfred na Universidade de Sydney, Austrália. Ele também é autor do livro Healthy Parents, Healthy Kids – Six Steps to Total Family Wellness (Pais saudáveis, filhos saudáveis – Seis passos para o bem-estar total da família).
* Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original.
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