segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Paulo Freire e a Ditadura Militar – Por Fred Santiago*

No ano em que se celebra o centenário de Paulo Freire, é interessante recorrermos à história para melhor compreendermos o importante papel desempenhado por esse pensador da educação, no contexto da ditadura militar.

Em 1963, quando vários setores da classe dominante brasileira articulavam uma ampla campanha de conspiração para derrubar o presidente João Goulart, Paulo Freire já desenvolvia seu método de alfabetização junto à setores mais desfavorecidos da população em vários estados do Brasil. Baseado em diálogos que buscavam desenvolver a autonomia dos educandos, o método freireano mostrava-se como ferramenta extremamente eficaz na alfabetização de adultos do campo e da cidade. Primando pela valorização das experiências de vida que antecediam a chegada dos estudantes à escola, o método de Freire contribuía na materialização de um aprendizado contextualizado e crítico.

Evidentemente, um método de alfabetização que levasse um enorme contigente de trabalhadores e trabalhadoras das áreas urbanas e rurais a serem capazes de compreender criticamente o funcionamento da sociedade era algo, naquele contexto, que afrontava diretamente os interesses das forças políticas que conspiravam pelo golpe. Logo, mesmo antes de consumada a derrubada de João Goulart, Paulo Freire já era vítima de um ódio visceral por parte dos setores mais reacionários da sociedade.

Com a efetivação do golpe de 1 de abril de 1964, inicia-se uma onda de perseguição aos considerados inimigos do regime, incluindo vários intelectuais e educadores, entre eles Paulo Freire.

Com a edição do Ato Institucional nº. 1 são instaladas as Comissões Gerais de Inquérito, que, na verdade, se constituíam de uma manobra para dar uma aparência de legalidade as perseguições praticadas pelo governo ditatorial. Foi na CGI comandada pelo então reitor da UFPE, João Alfredo, que Paulo Freire foi chamado à depor para explicar suas atividades e, mesmo deixando claro que se tratava de um método de alfabetização, o educador pernambucano continuou a ser perseguido e intimidado.

Freire foi preso mais de uma vez.

Ao todo, foram cerca de 70 dias de detenção, até se exilar na embaixada da Bolívia e deixar o país, só retornando durante o período de redemocratização iniciando na década de oitenta.

As perseguições contra Paulo Freire simbolizaram, em grande medida, o que os militares pretendiam fazer, e fizeram, com a educação n o Brasil: apologia da ignorância, desmonte da universidade pública, corte de recursos, ataques ao pensamento crítico, demissão, prisão e tortura de educadores, entre outras barbaridades.

Hoje, quando rememoramos o centenário de Paulo Freire, podemos perceber que a ditadura militar até tentou, mas nunca conseguiu barrar o legado freireano para a sociedade brasileira. Não à toa, enquanto Freire é um dos autores mais citados do mundo no âmbito das pesquisas em educação, os militares que o perseguiram estão relegados à lata de lixo da história.

*Fred Santiago é historiador e membro do Grupo de Pesquisa Ditadura, Resistência e Memória.

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